FOTOS PATRICIA LIMA E SIMONE GALIB
A Igreja de São João Baptista, no Baptism Site of Jesus, na Jordânia |
Há viagens e viagens… Mas algumas são tão marcantes e ficam de tal maneira impressas em nossos corações que, muitas vezes, ao relembrá-las nos transportamos imediatamente de volta ao lugar, mesmo estando a milhas e milhas de distância. Costumo sentir isso quando visito locais sagrados do planeta, repletos de energia, de símbolos e de histórias ancestrais. Sempre carrego comigo lembranças eternas.
Foi exatamente o que senti quando visitei, recentemente, a cidade de Betânia, na Jordânia, onde Jesus Cristo caminhou com seus discípulos e foi batizado por João Baptista no rio Jordão. Um local de cenários milenares, palco de histórias de amor, de disputas, de fé, de paz e de perseguição, não necessariamente reveladas pela Bíblia, e que hoje é visitado por pessoas de diversos lugares do mundo, que vão em busca dos antigos passos de profetas, dos discípulos e do próprio Messias. Porém, há uma triste constatação: embora seja vendido como uma atração turística, percebe-se que não desperta muito interesse no próprio país, cuja maioria da população é muçulmana. Poderia estar melhor preservado e ser muito mais divulgado.
Nunca havia planejado percorrer alguns caminhos de Jesus Cristo na Jordânia. Mas uma força maior conspirou a favor… Estávamos, eu e minha fiel companheira de viagem, Patricia Lima, seguindo para a cidade de Petra com um motorista, muçulmano e muito falante, que havíamos contratado em Amã, a capital do país. Ele apenas nos disse que faria umas paradas interessantes e que iríamos gostar -sabia, de antemão, que éramos cristãs. Passamos por Jericó, onde havia soldados em estado de vigília -do outro lado da montanha já era a Palestina. De repente, estacionou o carro em frente a um parque e nos pediu que entrássemos. “Vocês vão percorrer as trilhas de seu profeta Jesus”, disse-nos em inglês. Compramos dois ingressos, a 25 euros cada. Neles estava escrito: Baptism Site of Jesus.
Entramos em um ônibus, acompanhadas por um grupo de turistas espanhóis e por um guia local. Depois de rodar poucos quilômetros, o veículo estacionou. O resto do percurso seria feito a pé. Assim começou nossa jornada. Eu não conseguia me concentrar muito nas palavras que saíam do fone de ouvido do tradutor eletrônico e muito menos ouvir o que o guia local explicava. Deixei a mente livre para absorver as informações que as pedras, as árvores e as rústicas construções nos transmitiam naquele momento. Embora fosse outono, fazia muito calor, não havia uma nuvem no céu e respirávamos o pó do chão de terra batida. O local estava praticamente vazio. Pensei comigo mesma: se fosse um museu francês ou um palácio italiano teria filas e mais filas… Mas, ali as histórias de um tempo distante permaneciam em silêncio absoluto.
PEGADAS DO TEMPO
Constam dos registros bíblicos que João Baptista, o último profeta do Velho Testamento e o primeiro do Novo Testamento, passou um tempo de sua vida em Betânia (Bayt´Anya, em árabe), onde batizava com água as pessoas que estavam em busca de um caminho de fé para renovar suas vidas. Na verdade, a sua missão era preparar o povo para a chegada do Cristo, o Redentor. Jesus veio da Galiléia para ser batizado por ele há mais de 2 mil anos. Depois que João Baptista teve sua cabeça decepada e dada de presente à bailarina Salomé, alguns de seus discípulos continuaram a peregrinar naquele local, situado a cerca de 40 km de Amã.
Passaram-se os anos e a região acabou esquecida. No século 20, as duas guerras mundiais, e os conflitos entre Israel e Palestina, com guerras em 1948, 1967 e 1973, deixaram o Baptism Site isolado, especialmente por ter se tornado uma área militarizada. Essa situação começou a mudar a partir de 1994, com o tratado de paz entre Jordânia e Israel. Os peregrinos retornaram. Papas, padres e cardeais também passaram por lá nos últimos anos.
DE VOLTA AO PASSADO
Seguir essa trilha é como viajar no tempo. Sim, estamos literalmente dentro de um cenário bíblico, porque a paisagem permaneceu a mesma. No caminho, encontramos pequenas construções, feitas de tijolos, que foram chamadas de igrejas. As cercas que ladeiam parte da trilha são feitas de troncos de árvores, muito rústicas. Tudo continua ali como se os séculos não houvessem passado. Mas, por outro lado, existe um clima de desolação. O rio Jordão, sagrado para os cristãos, hoje está cheio de mato às suas margens e suas águas não são mais cristalinas. Naquele trecho do caminho, lembra um riacho…de fluxo muito lento…
Depois de percorrermos algumas trilhas, chegamos à Igreja
de João Baptista, a mais bonita construção dessa área. Podemos entrar,
observar, absorver. Os símbolos cristãos estão por toda a parte. O guia turístico muçulmano nos espera do lado de fora. Muitos
visitantes passam horas ali, em prece. É um momento solene, de
paz, de reverência e de lembranças até então adormecidas…
Saindo da igreja, andamos mais um pouco e chegamos ao que parece ser o ápice do passeio: o local onde está a pia batismal próximo a um trecho do rio Jordão, hoje transformado em uma espécie de balneário, onde alguns visitantes costumam nadar. Há também grupos de fiéis, todos vestidos de branco, em um ritual de batismo. Sentamos próximas à margem da Jordânia (do outro lado já era Jericó, na Palestina) e ficamos observando todo aquele cenário, em silêncio. Não nos atrevemos a pôr os pés naquela água, bastante turva. Apenas lavamos as mãos e molhamos a testa na pia batismal com a água do rio Jordão.
Regressamos ao ônibus. No meio do caminho, o motorista estaciona e o guia, ríspido, pede que todos desçam. Ninguém entende. Ele não parece disposto a explicar. Apenas ordena, em tom rude, para sairmos. Descemos no meio do nada, sem nada entender também. Os espanhóis ficam nervosos. Percebemos que, uma vez terminado o percurso, aliás, muito bem pago pelos turistas, os anfitriões do parque não fazem mais questão de ser gentis ou educados. E simplesmente nos despejam…
Eu e Patrícia saímos andando, sozinhas, sem sequer uma placa de sinalização. Mas, depois de termos seguido os passos do Mestre, não tivemos dificuldade alguma para encontrar a saída. Apesar do sol escaldante, nos sentíamos leves, revigoradas e felizes.