POR SIMONE GALIB
FOTOS ÉRICO HILLER/VIAGENS S/A
A hospitalidade é a essência da hotelaria. E quem melhor
para exemplificar, e especialmente vivenciar no dia a dia, esse conceito tão
fundamental, tão simples, porém nem sempre praticado com maestria, do que a
empresária Chieko Aoki, uma mulher que no Brasil foi precursora da arte de bem
servir o hóspede, dosando elegância, discrição, bom gosto e inovação. Com uma
visão de longo alcance, bagagem cultural, bom gosto e senso apurado de
observação, ela criou nos últimos 30 anos serviços e modelos de gestão que
foram copiados por muitos; conquistou milhares de hóspedes, colecionou
importantes prêmios, nacionais e internacionais, e sempre imprimiu sua marca
por onde passou. Não por acaso é conhecida no setor como “a dama da hotelaria”.
Aliás, uma classificação à altura do trabalho que vem realizando há três
décadas, onde se transformou em referência de administração e marketing de
hospitalidade.
Chieko Aoki chega para a entrevista, já pedindo desculpas
pelos poucos minutos de atraso. Elegantemente vestida, maquiagem discreta,
cabelo preso em um coque e usando um colar de pérolas, ela imediatamente nos
acomoda em uma sala anexa ao lobby do Blue Tree Faria Lima, previamente
preparada para o encontro. Dispensa o garçom e faz questão de servir o café aos
seus convidados. “Não gosto que ninguém me sirva. Os clientes estão sempre em
primeiro lugar”, diz, com naturalidade, a presidente da Blue Tree Hotels. E
serve novamente o cafezinho ao longo da conversa, que ela consegue transformar
em um bate papo, quase informal, mas recheado de informações e opiniões, sempre
muito objetivas. Sim, dona Aoki, como é chamada carinhosamente pelos seus
colaboradores, é uma anfitriã nata e sabe como cativar quem está ao seu lado.
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A empresária Chieko Aoki, no lobby do Blue Tree Faria Lima, em São Paulo |
Nascida no Japão, “o país da simplicidade e dos detalhes”,
como ela mesma define, Chieko veio para o Brasil aos 7 anos. Formada em direito
pela Universidade de São Paulo, com cursos em administração na Universidade de
Sofia, em Tóquio, e de administração hoteleira, na Cornell University, nos
Estados Unidos, ela ingressou na hotelaria nos anos 1980 e não parou mais, “nem
mesmo para tirar férias”. Trabalhou em diversos lugares do mundo, como Estados Unidos,
Ásia e Europa, mas foi aqui que construiu sua própria história, cujas bases
foram alicerçadas em 1982, quando era diretora de marketing e de vendas do
Caesar Park São Paulo, um cinco estrelas na rua Augusta, que já naquela época
exibia o conceito de hotel-boutique, porém um pouco maior, e que fez muito
sucesso. “Ele nasceu para ser inovador e oferecer tratamento personalizado”, conta.
Depois, Chieko tornou-se presidente da rede Caesar Park Hotels & Resorts e
da mais antiga e tradicional companhia hoteleira dos Estados Unidos, a Westin
Hotels & Resorts.
SERVIÇOS DIFERENCIADOS
Na verdade, foi o Caesar Park São Paulo o canteiro de ideias
onde Chieko jogou as sementes que renderiam excelentes frutos ao longo de sua
bem sucedida trajetória na hotelaria. Foi a pioneira, por exemplo, em implantar
o serviço de café no lobby, com biscoitinhos finos, como cortesia. “Percebemos
que os hóspedes, logo após o check out, sentiam vontade de tomar um café, algo
que faz parte da cultura do brasileiro, antes de ir embora”, explica. Deu certo.
E depois vieram as águas aromatizadas. “As pessoas ficavam mais tempo no lobby.
Senhoras da região começaram a frequentar o hotel só para tomar um cafezinho. A
ideia se espalhou pelo Brasil.” Outro serviço inovador foram as guest relations mulheres para
acompanhar, especialmente nas refeições, algumas executivas – poucas, na
ocasião, que viajavam sozinhas, especialmente estrangeiras. “Eu mesma me sentia
constrangida em comer sozinha”, explica. A iniciativa também acabou copiada por
outros hotéis, inclusive internacionais.
Os hóspedes habitués
eram ainda mais mimados. Chieko mandava sua equipe fotografar (em papel) o
quarto, nos mínimos detalhes, deixando-o exatamente como o hóspede queria “para
que ele se sentisse em casa, na volta”. Foi também naquele hotel que ela imprimiu
o nome dos hóspedes em caixas de fósforos e guardanapos; onde implantou o
primeiro apartamento em estilo japonês, com tatami, e que virou o predileto dos
brasileiros, especialmente casais em lua-de-mel; e inaugurou o Mariko, o
primeiro restaurante japonês em um estabelecimento cinco estrelas, que recebeu
toda a família imperial japonesa e foi também muito frequentado por políticos, por
formadores de opinião e por celebridades do país. Tanto o restaurante, quanto o
hotel viviam lotados. Foram muitos hóspedes ilustres, entre eles a popstar
Madonna, que costumava pedir uma profusão de águas e flores brancas na suíte. “Aprendi muita coisa no hotel, especialmente o
requinte personalizado. As pessoas, mesmo as que tinham mais dinheiro, não eram
tão arrogantes, mas sim refinadas”, diz.
Eram outros tempos. Chieko relembra que naquela época não
havia computador, tudo era escrito à mão, inclusive as reservas, e registrado
em fichas de arquivo. Para ela, a tecnologia facilitou a vida, mas eliminou a
vontade de dar atendimento personalizado ao hóspede. “Hoje, o funcionário está
mais preocupado em achar o seu nome na tela do computador do que oferecer um
sorriso. Antes, sabíamos até a hora em que cada hóspede acordava”, conta.
Embora os hotéis administrados por dona Aoki sejam hi-tech e equipados para a
vida moderna, ela mesma não se diz grande adepta de muita tecnologia. “Detesto
responder e-mails. São quase 500 por dia. Adoro o Whatsapp, porque só mantenho
contato com quem realmente preciso”, diz. Também não está presente em nenhuma
rede social.
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Vista aérea do Blue Tree Park Búzios Resort: cinco estrelas de frente para o mar divulgação |
OUTROS DESAFIOS
Bastante sintonizada com as tendências internacionais,
Chieko Aoki sempre viajou muito, frequentando hotéis de todos os tipos e em
diferentes continentes, o que lhe serviu de exemplo e de plataforma de
trabalho. “Eu me inspirava em restaurantes, no atendimento de lojas refinadas e
na própria hotelaria, onde todos usavam luvas, do mensageiro ao garçom”, relembra.
No final da década de 1990, ela deu outro passo ousado. Percebendo que surgia
um novo segmento, o de negócios e eventos, a empresária criou uma rede voltada
para esse setor, com novo conceito, mas valorizando sempre o seu foco de
atenção: o hóspede. O objetivo era oferecer qualidade, conforto e excelência em
serviços com padrão cinco estrelas a preços competitivos de quatro estrelas.
“Eu não queria abrir mão dos bons serviços. Então, busquei um produto que
tivesse um custo-benefício melhor”, diz. Ela vendeu o Caesar Park e ficou com a marca
Caesar Towers que, em 1997, passou a se chamar Blue Tree Hotels, rede que leva
o sobrenome de sua fundadora – Aoki em japonês significa árvore azul. Árvore
esta que ao longo dos últimos anos foi espalhando suas raízes em diversos
destinos estratégicos do país.
Hoje, a rede fundada por Chieko Aoki opera 23 hotéis em 18 cidades
brasileiras, que totalizam 4.793 apartamentos, divididos nas submarcas Blue
Tree Park (hotéis e resorts padrão cinco estrelas); Blue Tree Premium (hotéis
quatro estrelas com serviços de cinco); e Blue Tree Towers (padrão quatro
estrelas), que envolvem 2,3 mil colaboradores diretos. Em 2012, seus hotéis
tiveram um faturamento bruto de R$ 325,5 milhões, índice que representou
crescimento de 27,5% em relação ao ano anterior, quando faturou R$ 255,5
milhões.
Mas,
ela quer ir além: a ideia é administrar até 2017, 14 novos empreendimentos,
sendo nove no interior de São Paulo, um em Belo Horizonte, duas unidades no Rio
de Janeiro – uma delas em Macaé -, mais dois em Santa Catarina, um em Santo
Amaro da Imperatriz e outro em Itajaí. Com esse plano de expansão, a Blue Tree
pretende administrar, ao todo, 55 hotéis em território nacional nos próximos
anos.
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Blue Tree Park Lins, a 430 km de São Paulo: parque aquático e piscinas termais divulgação |
MIX DE CULTURAS
Apesar de viver muitos anos no Brasil, Chieko Aoki nunca
abandonou algo que ela traz em seu DNA, que é o servir com a alma e a
obstinação pela qualidade e pela excelência, tão valorizados pelos japoneses.
Aqui, ela procurou harmonizá-los com a alegria, com a cordialidade e com a criatividade
dos brasileiros. O resultado para o seu negócio tem sido muito bom, mas em
termos de Brasil, segundo ela, ainda há muito o que fazer. “Se o país quiser
crescer no turismo (hoje ocupa o 52º no ranking internacional), precisa
profissionalizar essa cordialidade. Não adianta ter uma fazenda bonita e não
cuidar dela”, afirma.
Às vésperas da Copa do Mundo, a empresária, que foi eleita
pela revista americana Forbes, no ano
passado, como a segunda mulher de negócios mais poderosa do Brasil, vai presentear o hóspede do Blue Tree com um guia completo sobre o Brasil. Sua bem treinada equipe de colaboradores já está
devidamente a postos para entrar em campo, acolhendo a todos com gentilezas,
bons serviços, sorrisos e simpatia, aliás, a marca registrada da chefe e da
rede que administra com pulso firme e toque de classe!
O QUE É HOSPITALIDADE?
A excelência de
serviços, tão bem exercida por Chieko Aoki, não decorre única e exclusivamente
de treinamento, embora ele seja constante entre seu staff, mas sim de uma
bagagem cultural própria, de uma postura diante da vida, que ela traz de sua
raiz. A seguir, alguns “mandamentos” básicos”.
CONCEITO “A
hospitalidade não tem forma. É a prática de você fazer as pessoas ficarem bem. O
ser humano gosta de se sentir importante. Por isso, é fundamental conhecer a
“alma” dele. Mas, primeiro precisamos trabalhar a nossa para poder enxergar a
do outro.”
FOCO – “É sempre o
hóspede. Devemos perceber e antecipar suas necessidades. Se ele se chateou o
dia inteiro, precisa voltar ao hotel onde vai ficar bem, recarregar suas
energias. É o local em que será valorizado e respeitado. Não quero saber se
algo vai ficar bonito no quarto e sim se será bom para o hóspede.”
SIMPLICIDADE – “É a beleza
que você enxerga na essência. Se tiver só uma flor no quarto, ela deve ser
maravilhosa. Sim, porque o simples é difícil e chama muito mais a atenção.”
TRADIÇÃO – Precisamos
preservar nosso patrimônio, porque o passado não volta – é uma riqueza que devemos
manter. Turismo é agradar o viajante, é passar a cultura local de uma forma
positiva.
CONSCIÊNCIA – “Uma das
piores coisas em um determinado lugar é o lixo, porque revela o nível
educacional. Ele não tem nada a ver com pobreza e sim com cidadania e moral.
Você joga o lixo e o outro passa por cima. Quando viajo, reparo muito se as
ruas são limpas e as casas, idem. A pessoa cuidadosa é limpa e simples.”
Perfil também publicado na edição de maio da revista Viagens S/A, da qual sou editora executiva.